sexta-feira, 4 de julho de 2014



  1. Introdução.

            Os anos 30, nomeadamente em Lisboa, foram ricos em acontecimentos que acabariam por marcar a nossa sociedade, por muito mais anos do que os seus mentores imaginariam.

            Recém-convertido, à “capitalidade” do Império, o “provinciano” António de Oliveira Salazar, saberia estar à altura da missão, que os vitoriosos militares de Maio, já desesperados, acabariam por lhe confiar, finalmente (e felizmente), quase sem condições.

            O âmbito destas notas não pretende - nem estaria à altura - analisar a Obra (o maiúsculo é propositado) do Doutor Salazar em prol da Nação e, concretamente, da nossa cidade de Lisboa; apenas, e tão somente, trazer à colação o enorme “brinde” que foi outorgado às populações que, hoje, habitam na novel circunscrição territorial que vai aglutinar as antigas freguesias do Campo Grande, Alvalade e São João de Brito: o bairro de Alvalade.

O pensamento desse Grande Estadista - que tão bem soube compreender a designada “alma lusa” - no que respeita ao bem-estar das populações, assentou em duas vertentes: A criação de condições que lhes permitissem criar e manter famílias geradoras de futuro (uma das bases da sua célebre trilogia), e a possibilidade – esta verdadeiramente revolucionária – da ascenção social de qualquer um, independentemente da sua origem, desde que baseada no trabalho sério e honesto.

            Quando, cumprida a fase de resistência às diversas intentonas, que pulularam nos primeiros anos do novo regime, Salazar pôde virar-se para a evolução da Nação, (diz-se) pediu a figuras da sua confiança, entre as quais António Ferro, que visitassem alguns países europeus e lhe dessem uma visão do que estes estariam a fazer, em termos de construção de bairros sociais.

            Aqui para nós, Salazar sabia bem o que queria. Ao fim e ao cabo a frase é sua: Sei o que quero e para onde vou; só pretendia comparar a sua visão com a que regimes (alguns próximos, outros não), tinham como paradigma, em termos de bairros sociais. Voltaram os emissários com noções de grandes falanstérios, certamente económicos, em termos de relação espaço / custo, onde as grandes moles humanas de habitantes menos favorecidos poderiam obter o seu lar. Após os ouvir, e convencido da asneira que lavrava nessas terras, Salazar lançou as bases da sua política habitacional: Habitações modestas mas com todas as condições, poucos fogos por cada prédio, ou até unifamiliares e, sempre, com um pedaço de terra para que pudessem manter alguma relação com as origens de grande parte das populações que, na época, rejuvenesciam Lisboa.

            Sendo embora um salazarista convicto (e até militante), não me considero alguém com “palas nos olhos”. No entanto, até os aspectos que alguns podem considerar como negativos, assumem, quanto a mim, uma “positividade” excepcional; é que Salazar, além de possuidor de uma inteligência brilhante, suficientemente documentada na volumosa obra teórica que publicou, mesmo ( e sobretudo ) antes de ser alcandroado ao poder, também era esperto (o que só pode ser qualificado, pelo menos para mim, como qualidade). Pensou, porventura, que colocando grandes massas em prédios com muitos andares, obrigaria a algum tipo de organização, eleições de representantes, enfim, alguma “democracia” de que ele não era, decisivamente, cultor. Além disso, o bocadinho de terra, permitia que, no dia de folga, o chefe de família continuasse individualmente ocupado, fora da taberna, da confusão, da discussão política.

            Tudo isto, necessariamente, para chegar ao “meu” Bairro de Alvalade. É que as coisas boas não nascem por acaso, sendo antes fruto de elaborados planos e, fundamentalmente, de conceitos claros, baseados na dedicação total e plena a uma causa superior.

            Salazar, sendo um conservador, ciente do papel do Estado na prossecução dos equilíbrios sociais, necessários à manutenção da paz entre a estratificação natural da sociedade, não descurou chamar a iniciativa privada à complementaridade dos seus objectivos; é que as diversas células do bairro de Alvalade são constituídas por edifícios de origem pública, convenientemente misturados com outros de iniciativa privada.

            Terminada esta introdução (chamemos-lhe ideológica), vamos ao que interessa: o futuro desta parte da cidade, ao mesmo tempo cheia de “finesse”, um pouco envelhecida, mas “finnesse”, e de graves problemas que a gestão camarária dos nossos adversários não pôde nem soube resolver.

            Voltarei à parte ideológica sempre que necessário.

           

           
           
  1. A Urbanização do Sítio de Alvalade.



Designa-se por Sítio de Alvalade a área trapezoidal, com mais de 200 hectares, entre a antiga Avenida Alferes Malheiro, hoje Avenida do Brasil, a Avenida do Aeroporto, hoje Gago Coutinho, a linha da Cintura, hoje importante, na época apenas uma linha de ligação entre as linhas do Norte, de Cascais e de Sintra e o já existente Campo Grande e Rua de Entre-Campos.

As três grandes Avenidas, que hoje fazem parte do nosso quotidiano, nasceram, para possível espanto dos mais jovens, neste arrojado plano de urbanização: Estados Unidos da América, de Roma e da Igreja, dividindo as diversas zonas de intervenção planeadas.



É curioso verificar que esta urbanização, saída do traço privilegiado de dois brilhantes arquitectos, Jacobety Rosa e Faria da Costa, contemplou todos os elementos urbanos necessários ao usufruto pleno dos seus habitantes, como zonas residenciais, escolas, liceus, escolas técnicas, zonas comerciais, igrejas, mercados, edifícios públicos e até zonas industriais, numa harmonia, conhecida nos nossos dias de muito poucos, que poderia perfeitamente servir de base a uma renovação citadina válida em qualquer tempo e lugar.




Pessoalmente há uma particularidade que me entusiasma, pelo que nela pressinto da visão de Salazar quanto ao comportamento da natureza humana em presença. Sempre me impressionou a ausência de estabelecimentos comerciais nas células destinadas ao conjunto de habitantes onde, pela característica de habitação social mais pronunciada, a miscigenação era mais evidente, isto apesar de coabitarem pessoas oriundas da classe média (professores do ensino secundário ou universitário, militares, polícias, funcionários do Estado), com operários, alojados através das suas Caixas de Previdência e outros, porventura muito pobres, realojados das suas casas insalubres do antigo Martim Moniz ou Alfama. Ora aquilo que poderia parecer um esquecimento tinha, no entanto, uma função essencial, consubstanciada na elevação social, tão cara ao nosso (saudoso, para mim) Presidente do Conselho. Caso existissem cafés ou outro tipo de lojas nessas células isso seria um convite à “guetização” dos diversos grupos. Assim, na ausência desses estabelecimentos, os mais desfavorecidos teriam de se deslocar (ao fim e ao cabo “subir”) para as zonas socialmente mais ricas e assimilar modos de comportamento, incluindo portarem-se bem, os quais, juntamente com frequência das mesmas escolas, por parte dos seus filhos, faria, numa geração uma sociedade mais igualitária. Que diferença entre esse pensamento e dos nossos “democratas” que tudo estragaram ao criar os modernos bairros sociais, ditos problemáticos, morada de pessoas classificadas como problemáticas e até crianças que –imagine-se – já nascem problemáticas e de que nem vale a pena falar.


  1. Problemas actuais e o futuro que todos desejamos.

Ao percorrer estas ruas apercebemo-nos imediatamente de vários e graves problemas que não podiam ser previstos no início.

Estávamos nos anos 40, mesmo na classe média, poucos tinham carro e portanto as ruas e a capacidade de estacionamento eram mais do que suficientes. As ruas eram aprazíveis, as veredas pedonais cumpriam a sua missão de encurtar distâncias e os logradouros estavam pejados de crianças, com escorregas e baloiços prontos a associarem-se às suas brincadeiras. Ao mesmo tempo os mais velhos tinham as suas hortas, as suas patuscadas, as suas vidas simples mas dignas, sendo a sua política o trabalho.

Havia, em cada rua, o chamado fiscal, alguém que, mandatado pela Instituição proprietária dos edifícios, zelava pelos bons costumes, pelo asseio e, igualmente, pela boa conservação dos bens públicos.

Em 74 veio a “revolução”, em vez da tão propalada liberdade apareceram as chamadas “liberdades”, designação eufemística para a verdadeira libertinagem que se apossou do bairro.

As consequências desses tempos ainda são bem visíveis, custarão a terminar, criaram situações de facto consumado, alegadamente confundidos com direitos adquiridos, que, obrigatoriamente, deverão ser tratadas com pinças para não pôr em causa a requalificação que se torna urgente.

Trata-se da ocupação abusiva e clandestina dos logradouros, com garagens, barracas, pombais, empresas e até alojamentos onde pessoas residem.

Ao mesmo tempo nas ruas principais, os passeios estão permanentemente ocupadas com automóveis, tanto dos moradores como dos que chegam a Lisboa diariamente. A solução, para a Câmara e para a EMEL, passa por razias periódicas em que vai tudo a eito; nada mais errado. Não somos contra o automóvel, somos a favor da sua integração no espaço do bairro, de forma harmónica e consentânea com a sua função importante no mundo moderno.

A esquerda tem muita lábia contra os carros, promove a construção das chamadas ciclovias, que nada acrescentam além das chatices que causam, mas foi o Consulado de Santana Lopes, do PSD, com a cooperação do CDS, que teve a coragem de fechar os bairros históricos ao trânsito desordenado e selvagem.

No século XXI, as famílias que habitam o “velho” bairro de Alvalade, começam a ser muito diferentes das dos pioneiros; existem vários veículos por família e a mobilidade, uma vez que a noção de trabalhar ao lado de casa pertence a um passado já distante, é certamente muito importante.

Urge assim resolver o problema do estacionamento; felizmente os logradouros existem, são vastos e podem perfeitamente ser ordenados e permitir as várias valências, quer do ponto de vista de lazer, quer do estacionamento. Mas tudo isso com respeito e essencialmente com a implicação da sociedade civil, por exemplo, é interessante saber que há logradouros que servem mais de 70 fogos e que o simples facto de haver estacionamento legal e facilitado, valoriza imediatamente as habitações.

À Câmara, ao fim e ao cabo, ao Estado, compete muito mais ser um facilitador, um não complicador, que um investidor.

Depois de tudo concluído então sim, as “Eméles” deste mundo podem multar, bloquear, etc… uma vez que o estacionamento ilegal, já será um abuso e não, como agora, uma necessidade.

Continuando, Avenida da Igreja acima, abandonamos o ex-bairro mais social e chegamos à parte “rica”, entre o Largo com o monumento a Santo António e a Igreja de S. João de Brito, que deu o nome à avenida.

Todos conhecemos esse grande Centro Comercial, ao ar livre, pleno de lojas, cafés, restaurantes e que, embora muitos não o saibam, tem mudado ao longo do tempo (os cafés, muito mais numerosos no início, passaram a bancos, a mini-centros comerciais, de novo a cafés, algumas charcutarias ainda resistem, os restaurantes têm ido e vindo e as farmácias, imagens de marca da zona, continuam, embora sem ser o negócio de outrora).

Embora não seja uma zona decadente já se nota algum desgaste; À noite está praticamente deserta e, durante o dia, o trânsito é infernal e o estacionamento selvagem e desordenado.

Não podemos permitir que as coisas continuem assim; mais uma vez, a sociedade civil deve ser chamada. A própria praça de Alvalade ficou horrível com as obras do metro. Parece um deserto de mármore.

Atrevo-me a pensar que esta zona deveria ser o verdadeiramente grande Centro Comercial de Lisboa, mais uma vez, aproveitando os logradouros para estacionamento, poderia o trânsito ser mais ordenado; porque não um túnel ou estacionamento subterrâneo? Porque não uma cobertura de material transparente, em certas partes, permitindo a protecção da chuva e promovendo o usufruto de lojas e esplanadas?

Enfim, estas notas já vão longas e a “palha” foi certamente muita.

O que interessa é a harmonia de um bairro, feita com a sociedade civil, sem falsos proteccionismos camarários, aproveitando o espaço, sem violências colectivistas, apenas no sentido da sua valorização.


Lisboa, Fevereiro de 2013.

José Carlos Alves Sequeira